Remi está a conversar com a avó.
— Na minha aldeia, na Provença, pelo Ano Novo, no primeiro dia de janeiro,
toda a gente oferecia uma prenda a toda a gente. Vê lá se és capaz de adivinhar
o que seria.
Remi lança palpites:
— Comprar prendas para a aldeia inteira…
É preciso ter muito dinheiro. Quer dizer que as pessoas eram ricas?
A avó riu-se:
— Oh, não! Naquele tempo, tinha-se muito pouco dinheiro e ninguém na aldeia
comprava prendas. Nem sequer havia lojas como há hoje.
— Então faziam as prendas?
— Não propriamente!
— Então como é que faziam?
— Era muito simples. Ora ouve…
Antigamente, cada família fazia o seu pão. Não havia água corrente nas
casas. Então íamos buscá-la à fonte, no largo da aldeia.
E, no dia um de janeiro, de manhã muito cedo, a primeira pessoa que saía de
casa, colocava um pão fresco no bordo da fonte, enquanto enchia a bilha de
água. Quem chegava a seguir pegava no pão e punha outro no mesmo lugar para a
pessoa seguinte, e assim por diante…
Desta forma, em todas as casas, se comia um pão fresco oferecido por outra
pessoa. Nem sempre se sabia por quem, mas garanto-te que o pão nos parecia
muito bom porque era como se fosse um presente de amizade.
As pessoas que estavam zangadas pensavam que talvez estivessem a comer o
pão do seu inimigo e isso era uma espécie de reconciliação…
Durante alguns dias, esta história andou a martelar na cabeça de Remi.
Uma manhã, teve uma ideia.
Meteu no bolso uma fatia de pão de lavrador. É o pão que se come na casa de
Remi.
E na escola, um pouco antes do recreio, Remi pousou o pão bem à vista, em
cima da carteira de Filipe, o seu vizinho.
Filipe está sempre com fome e repete sem cessar a Remi:
— Oh! Que fome, que fome eu tenho! Bem comia agora qualquer coisa!
Quando Filipe viu a fatia de pão, que rica surpresa! Sabia muito bem quem
lha tinha dado, mas fingiu que não sabia.
No recreio, todo contente, comeu o pão sem dizer nada a Remi, mas…
No dia seguinte, sabem o que é que Remi encontrou em cima da carteira,
mesmo antes do recreio? … Um pedaço de cacete!
Um grande pedaço bem estaladiço! Um verdadeiro regalo!
Filipe ria-se.
E assim continuaram a dar um ao outro presentes de pão.
Na aula, a Carlota e a Sílvia estão sentadas logo atrás de Filipe e de
Remi. Rapidamente souberam da história do pão e quiseram também participar nas
surpresas.
No dia seguinte, Sílvia levou uma fatia de cacetinho e Carlota uma fatia de
pão centeio.
Outras crianças quiseram participar nas prendas de pão.
Apareceu pão grosseiro, pão de noz, pão de sêmea, pão sem côdea, pão
caseiro, pão fino, pão russo, negro e um pouco ácido, que Vladimir levou,
pedaços de pão árabe, que a mãe de Ahmed cozera no forno, e ainda muitos outros
tipos de pão.
Desta forma, quase toda a turma se pôs a trocar pedaços de pão durante o
recreio.
A professora apercebeu-se das trocas e perguntou:
— Mas o que é que vocês estão aí a fazer?
Carlota e Remi contaram-lhe toda a história do pão dos outros.
E, logo após o recreio, o que é que estava em cima da secretária da
professora? …um pedaço de pão!
Toda a classe tinha os olhos postos na professora. Ela sorriu e comeu o
pão.
E, no domingo seguinte, quando Remi viu a avó, era ele que tinha uma
história para lhe contar:
— Sabes, avó? Olha, na minha turma…
Michèle Lochak
Le pain des autres
Paris, Ed. Flammarion, 1980
Le pain des autres
Paris, Ed. Flammarion, 1980
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