Brotara do solo fecundo de um quintal enorme, de uma semente que mestre Crisolindo comprara na venda. Despontava por entre uns pés de couve e mais algumas abóboras, umas suas irmãs, outras suas parentes mais afastadas.
Tratada
com o devido esmero, adubada à maneira, depressa cresceu e se tornou em bela
moçoila, roliça e corada.
Os
dias corriam serenos. Enquanto o sol brilhava, tudo era calma naquele quintal.
Sombra dos pés de couve, rega a horas devidas, nada parecia faltar para que
todos fossem felizes.
As suas conversas eram banais: falavam do
tempo, de mestre Crisolindo e nunca, mas nunca, do futuro que os aguardava.
Mas
Abóbora Menina, em vez de se dar por satisfeita com a vida que lhe havia sido
reservada, vivia entristecida e os seus dias e as suas noites eram passados a
suspirar.
Desde muito cedo que a sua atenção se virara
para as borboletas de cores mil que bailavam sobre o quintal. E sempre que
alguma pousava perto de si, a conversa não era outra se não esta:
―Dizei-me,
menina borboleta, como fazeis para voar?
―Ora, menina abóbora, que quereis que vos
diga? Primeiro fui ovo quase invisível, depois fui crisálida e depois, olhe,
depois alguém me pôs estas asas e assim voei.
―Como
eu queria ser como vós e poder sair daqui, ver outros quintais.
―Que me conste, vós fostes semente e vosso
berço jaz debaixo desta terra negra e quente. Nunca por aí andámos, minhas
irmãs e eu.
A
borboleta levantava voo e Abóbora Menina suspirava. E suspirava. E de nada
serviam os consolos de suas irmãs, nem o consolo dos pés de couve, nem o
consolo dos pés de alface que cresciam ali perto e que todas as conversas
ouviam.
Certo dia passou por aqueles lados uma
borboleta mais viajada e foi pousar mesmo em cima da abóbora. De novo a mesma
conversa, os mesmos suspiros.
Tanta pena causou a abóbora à borboleta, que
esta acabou por lhe confessar:
―Já
que tamanho é vosso desejo de voar e dado que asas nunca Edições
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uma solução: deixai-vos levar pelo vento sul, que não tarda nada aí estará.
―Mas
como? Não vedes que sou roliça? Não vedes que tenho engordado desde que deixei
de ser semente?
E
a borboleta explicou à Abóbora Menina o que ela devia fazer.
A
única solução seria cortar com o forte laço que a ligava àquela terra-mãe e
deixar-se levar pelo vento.
Ele
não tardaria, pois umas nuvens suas conhecidas assim lhe haviam garantido. Mais
adiantou a borboleta que daria uma palavrinha ao tal vento, por sinal seu amigo
e aconselhou todos os outros habitantes do quintal a segurarem-se bem quando
ele chegasse.
Ninguém gostou da ideia à exceção da nossa
menina.
―Vamos
perder-te! ― lamentavam-se as irmãs.
―Nunca
mais te veremos. ― sussurravam os pés de alface.
―Acabarás
por mirrar se te desprendes do solo que te deu sustento.
Mas
a abóbora nada mais queria ouvir. E logo nessa noite, quando todos dormiam,
Abóbora Menina tanto se rebolou no chão, tantos esticões deu ao cordão que lhe
dera vida, que acabou por se soltar e assim permaneceu, liberta, aguardando o
vento sul com todos os sonhos que uma abóbora ainda menina pode ter na sua
cabeça.
Não esperou muito, a Abóbora Menina. Dois dias
passados, logo pela manhãzinha, o vento chegou. E com tal força, que a todos
surpreendeu.
Mestre Crisolindo pegou na enxada e
resguardou-se em casa. As flores e as hortaliças, já prevenidas, agarraram-se
ainda mais à terra.
Só
a abóbora se alegrou e, peito rosado aberto à tempestade, aguardou paciente a
sorte que a esperava.
Quando
um remoinho de vento pegou nela e a ergueu nos ares, qual balão liberto das
mãos de um menino, não sentiu nem medo, nem pena de partir.
―Adeus,
minhas irmãs!... Adeus, meus companheiros!...
―Até...
um... dia!...
E
voou direitinha ao céu sem fim!...
Para
onde seguiu? Ninguém sabe.
Onde foi parar? Ninguém imagina.
Mas todos sabem, naquele quintal, que dali
partiu, numa bela tarde de vento, a abóbora menina mais feliz que algum dia
poderá haver.
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Texto: Maria Teresa Lopes
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